Fico muito contente por ter ganho o SIM no referendo. Portugal está a sair do provincianismo paroquial (sim, agrada-me especialmente a Igreja estar a perder o poder que tinha sobre as mentes).
Espero, no entanto, que a euforia da vitória não faça esquecer o outro problema que se levantou no domingo: o referendo em si. Em teoria, eu sou a favor das consultas populares porque, quanto mais os cidadãos se pronunciarem sobre questões políticas, mais democrático e estável é o regime. Já na prática... tenho muitas dúvidas: Portugal não é a Suíça; os referendos foram introduzidos muito tarde no país e coincidiram com a tendência mundial de subida da abstenção, pelo que não tiveram tempo de se institucionalizar; não há uma linha de orientação sobre quais as matérias referendáveis (porquê referendar a regionalização se o PS já a tinha apresentado na campanha eleitoral como uma das principais bandeiras? Votar num partido não é votar no seu programa?); o referendo pode passar a ser usado como instrumento político da oposição contra o governo e paralisar constantemente o país; as consultas populares não se limitam à questão em si, mas referendam também os grupos políticos envolvidos (veja-se o caso do referendo à Constituição Europeia em França, que visou sobretudo penalizar Chirac).
Se o terceiro referendo não entusiasmou o eleitorado, apesar da questão ser fracturante e ter envolvido uma campanha apaixonada, valerá a pena insistir? Será que continuar com referendos que não são vinculativos não fragiliza a democracia, em vez de a reforçar? E mais, ao realizar uma consulta popular, cujo resultado acaba por não ser vinculativo, torna-se a questão refém do referendo e nunca mais se poderá legislar sobre ela sem voltar a consultar o povo, essa tão sábia entidade, que não está para se levantar do sofá para exercer o seu direito/dever. Aconteceu com o aborto, acontecerá eventualmente com a regionalização e com todas as futuras questões.
3 comentários:
Alarmante para mim é aquilo que os portugueses gostariam de ver referendado (segundo o Público): eutanásia, liberalização do consumo e drogas leves, a reintrodução da pena de morte, o casamento homossexual e adopção de crianças por homossexuais.
Aterrador. Por mim, acabe-se já com o referendo.
Isto faz-me lembrar uma sondagem realizada há uns anos que mostrava que a maioria das pessoas achava que o Secretário-Geral das Nações Unidas devia ser escolhido por eleição directa, isto é, escolhido por todos os cidadãos do mundo. Para além da patetice da ideia e da impossibilidade de a pôr em prática, o que mais me admirou nisto foi o facto de a abstenção estar a crescer em todo o lado, das pessoas não votarem nas eleições para o PE porque acham que é uma coisa "muito lá longe" e mesmo assim acharem que deviam poder votar para o SGNU.
A democracia é mais que o voto do povo. Se não, a Venezuela e o Irão eram os maiores!
Essa situação já acontece, e a muito, no Brasil. Durante o governo Fernando Henrique, a esquerda conseguiu organizar um referendo não-oficial em todo o Brasil para consultar a população se a Base de Alcântara deveria ser cedida para lançamento de satélites estadounidenses. Como a base fica próxima a linha do equador
é um local estratégico para lançamento de foguetes, e o governo Clinton sugeriu alugar a base por uma valor não-revelado.
O argumento da esquerda era de que isso se tratava de uma questão de soberania nacional. O problema é que por não ser oficial os resultados foram terrivelmente manipulados e as perguntas eram cômicas de tão tendenciosas (Algo como: você concorda com o uso abusivo da Base de Alcântara, para o lancamento de foguetes do império ianque, feriando a soberania nacional?)
Parece bobagem, por ser um referendo não-oficial, mas logo essa mesma esquerda (correção: parte dessa mesma esquerda) foi eleita para governar o País, usou o peso da máquina executiva para criar um novo referendo, dessa vez para definir sobre a comercialização ou não das armas de fogo no país.
O que não ficou claro na propaganda governamental foi, qual o sentido do referendo, já que a votação seria em torno de um único artigo dentro de um Projeto de Lei chamado "O estatuto do Desarmamento"...
Resultado: Além da alta abstenção e nulidade de votos, venceu o não ("não concordo com a proibição da comercialização das armas de fogo no país")...
A imprensa afirmou que foi uma resposta aos primeiros anos de governo Lula; o governo afirma que o povo se confundiu com a pergunta (redigida por seus acessores); a oposição, antiga direita, deitou e rolou, pois apenas as alas mais radicais fizeram uma tímida campanha pela não (o não contra o sim pelo desarmamento...).
Enviar um comentário